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Publicado em: 2014-05-02
Dia da 'Mãe à força' ... ?
entre Reflexões (I) e Realidades (II)

"... Escrevo-vos como mulher, como estudante de Medicina mas também, como já me afirmei neste blog: fiel defensora de causas. E, se há causa em que coloco todo o meu ser é no valor fundamental da vida.
 
E como valor que é, acredito que tem de ser discutido: nos valores da sociedade poderá assentar a possibilidade de uma Nova Esperança.
 
Foi em Janeiro de 2012 aquando da votação no Parlamento Português dos Projectos de Lei sobre Maternidade de Substituição que despertei para esta temática. Na altura, li imensos artigos, pareceres e histórias acerca do assunto.
 
As barrigas de aluguer consistem numa parte de um processo de PMA (Procriação Medicamente Assistida) em que uma mulher cede o seu útero para que nele seja implantado um óvulo já fecundado [com material genético de outra mulher (óvulo) e de um homem (espermatozóide)] e que se compromete no fim da gravidez a entregar a criança ou à mulher que cedeu a informação genética (o gâmeta feminino - óvulo) ou à mulher que encomendou o bebé (por exemplo, tendo utilizado o material genético de outra mulher por não ter óvulos).
 
Confesso-vos que depois de muito ler, considerei as Barrigas de Aluguer uma solução inviável e eticamente reprovável. Como mulher, considerei o conceito de “coisificação” e instrumentalização da pessoa que se traduz na mercantilização do útero feminino ir contra o conceito de a dignidade humana.
 
O artigo XVII da Declaração dos Direitos de Homem e do Cidadão de 24 de Junho de 1793:“nenhum homem pode vender-se ou ser vendido, a sua pessoa não é uma propriedade alienável”, a afirmação do Comité de Orientação da Agência de Biomedicina “do princípio da dignidade humana deriva a ideia de que o Estado deve proteger os cidadãos contra eles mesmos quando exercerem a sua autonomia em sentido contrário à sua dignidade, e isto apesar do seu consentimento” bem como, o princípio proclamado pela Organização Mundial de Saúde em 1991 “o corpo não pode ser objecto de direitos patrimoniais” ajudaram-me a tornar tudo ainda mais claro.
 
Algumas legislações (por exemplo, a britânica) proíbem o pagamento às mulheres que cedem o seu útero porém, tal como o Projecto de Lei Português prevêem a compensação de despesas o que a meu ver acabava por ter o mesmo efeito já para não falar do difícil controlo judicial. Verdade seja dita, mesmo não havendo compensação material alguma, será o caso menos complexo quando temos em conta questões como as complexas interacções psicológicas entre a mãe de aluguer e o bebé que cresce na sua barriga?
 
A verdade é que há uns dias atrás voltei a meditar sobre este assunto que estava há mais de um ano tão esclarecido na minha cabeça. No âmbito de um estágio que fiz no IPO (Instituto Português de Oncologia) assisti a uma consulta de uma jovem de vinte oito anos, recém-casada e que teve um aborto espontâneo há 8 meses. Quando pesquisaram a causa do aborto espontâneo perceberam que tinha um tumor no útero, tumor esse que era um cancro de dimensão tão grande que a remoção cirurgia não seria eficaz e como tal, teria de fazer quimio e radioterapia. A consulta que presenciei foi para lhe explicar exactamente isto e que estestratamentos a iriam deixar infértil. O ataque de choro da doente e do seu marido apertaram-me o coração de uma forma que eu não sei pôr por palavras. Imaginei o que seria se fosse eu! O meu maior sonho é um dia ser mãe! Quando me fui embora, desde o momento que entrei no carro até chegar a casa, não fiz outra coisa se não chorar. Estava desolada! Que injustiça! Porquê?
 
Na consulta falou-se da possibilidade de retirar, antes dos tratamentos, células do ovário (óvulos) e eventualmente implantar noutro útero tendo em conta porém, que isso não se faz em Portugal. A consciência que a actual lei era um entrave para aquela mulher vir a ser mãe deixou-me verdadeiramente perturbada.
 
Depois de ter presenciado esta situação novas questões sobre esta temática me invadiram a reflexão. Partilho algumas delas convosco, algumas delas que já tenho conseguido responder, outras nem tanto. Mas que aos poucos me ajudam a mais humanamente e conscientemente abordar este assunto (afinal, agora toda a minha reflexão vai muito além de uma reflexão baseada apenas em centenas de artigos e teorias). Concluo portanto com algumas perguntas para reflexão de todos:
 

  • Todas as questões epigenéticas (relação intra-uterina) são indiferentes à formação do bebé?
  • Com as barrigas de substituição há claramente uma clara divisão entre maternidade genética e maternidade uterina. Pensando no filho: como se orientará em relação à identificação com a mãe, sabendo nós hoje que esta interacção começa ainda dentro do útero materno?
  • Sabendo que uma gravidez altera por completo a vida de uma mulher, estará em causa apenas a barriga/útero ou será esta uma questão mais complexa? Não será esta designação simplista?
  • E em relação à mãe, qual será a percepção da sua maternidade?  Que relação tece com o bebé uma mãe cujo filho não é biologicamente seu e que no entanto vive com ela na profunda simbiose gravidez comporta?
  • Ligado com o valor da vida está neste caso o valor da conjugalidade: como considerar aqui a unidade e a identidade conjugal?
  •  O que acontecerá à criança se os pais, quer por má formação fetal quer por outra razão qualquer, não quiserem ficar com o bebé?
  • E se a mãe de aluguer quiser abortar durante a gravidez? Ou os pais se arrependerem do contracto e quiserem eles próprios o aborto (que tem consequências irreversíveis para o corpo da mulher que cede o útero)? Ou se no fim da gestação não quiserem a criança por divórcio, etc.?
  • E se a mãe de aluguer transmitir ao bebé certas doenças como HIV/SIDA (vírus que tem seis meses de incubação e como tal, de difícil controlo)?
  • Não terá o Direito (as leis) uma missão também ela pedagógica de tutela de valores? Será o facto de uma prática já existir que a torna correcta ou passível de ser legal?
  • Será o romper de uma barreira moral tradicional um sinal de progresso ou de retrocesso social?
  • Que tipo de precedentes serão abertos a nível bioético? Como por exemplo, o geneticista de Harvard George Church que em Janeiro deste ano vem dizer ao mundo que apenas procura uma barriga de aluguer para clonar Neandertal (antepassado do humano)?
  • No fundo, devemos encarar este tipo de questões como o direito a ter um filhoo u como os direitos do filho? (Citando a antropóloga Françoise Héritier à revista L’Express).
  •  Até que ponto é justo o egoísmo social? "

(Fonte: novaesperancafuturo.blogspot)

II

Há mulheres que são 'barrigas de aluguer' em Portugal, apesar de ser um crime que dá prisão. Cobram até 100 mil euros para conseguir uma casa ou apenas para tirar 'o pé da lama'. E tentam não pensar na criança.

O aluguer do útero é desde 2006 “punido com pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias”, segundo a lei da Procriação Medicamente Assistida.

A proibição não impede que mulheres em Portugal aluguem o útero por montantes que vão até aos 100 mil euros, segundo testemunharam à agência Lusa “barrigas de aluguer”.

Amélia (nome fictício) tem 24 anos e foi a “situação financeira” que a levou a fazê-lo. O emprego “mal dava para pagar as contas” e perseguia o sonho de ter casa própria.

Viu no aluguer do útero uma “forma rápida de ganhar um bom dinheiro” e vai no segundo contrato que em breve deverá resultar em mais uma gravidez.

Quem a procura, nomeadamente pela internet, são “casais impossibilitados de ter filhos, mulheres com medo de modificar o corpo, casais homossexuais, homens que não querem responsabilidades com a mãe dos filhos ou pessoas sozinhas que precisam de companhia”.

Era português o casal a quem entregou a primeira criança. Sem especificar quanto recebeu, diz que normalmente os preços vão de 30 a 100 mil euros, “para casais com uma vida financeira resolvida”.

O resto pouco interessa. “Não me interessa saber quem é, até porque não os vou ver mais na vida. Desde que respeitem as cláusulas do contrato e não maltratem a criança, não queremos saber nada da sua vida. Quanto mais soubermos, pior”.

A inseminação que conduziu à gravidez foi feita numa clínica em Portugal, o que a lei proíbe: “O dinheiro compra essas coisas”, afirma.

O casal acompanhou a gestação. “Sentem-se realizados”, diz Amélia, que reconhece que, para este “trabalho”, é preciso preparação mental. “É normal trabalharmos a nossa cabeça, sempre em negação de ter uma criança”.

Nem todas o conseguem. Alice (nome fictício), 22 anos, decidiu ser “barriga de aluguer” porque, por um problema de saúde, precisou de dinheiro.

Um amigo disse-lhe que um casal homossexual num país europeu procurava uma “barriga de aluguer”. Aceitou “sem pensar” e hoje garante que não foi por ganância, mas por “necessidade”.

Do casal que a procurou sabe pouco. “Não quis saber muito sobre as pessoas, pois quanto menos me envolvesse, melhor”, contou.

A oferta que aceitou foi 30.000 euros, dos quais Alice recebeu 15.000 para iniciar o processo. Mas, à medida que o tempo passava, começou “a pensar que estava a fazer um negócio, a tratar um ser humano como um objecto de troca”.

Mesmo assim, avançou. Fez os procedimentos de preparação para uma inseminação artificial “sem tocar num cêntimo”.

A técnica foi feita numa clínica em Lisboa, na qual Alice nem precisou de falar, pois era um estabelecimento “de confiança da pessoa que queria a criança”.

Na hora de fazer a inseminação, desistiu. “Por muitas que fossem as necessidades, o meu coração de mãe falou mais alto. Devolvi o dinheiro e o assunto ficou por aí”, disse.

“Conheço pessoas que foram até ao fim e arrependeram-se. Por mais que finjam que está tudo bem, e tenham tentado não se apegar à criança, chega a hora em que aparece o sentimento de culpa de ter dado um filho por dinheiro”, assegura.

Segundo Alice, “a crise já duplicou a disposição de mulheres para este negócio e, quem o procura, aproveita pois sai mais barato e escusam de ir à Índia, onde é legal”.

Alice ainda hoje recebe propostas. De casais desesperados por um filho que oferecem o que têm e não têm. Alguns não conseguem chegar ao valor pedido e oferecem carros.

São propostas como estas que Joana (nome fictício), 26 anos, está a analisar há três meses.

Espera apenas acabar os estudos antes de a barriga começar a ver-se e está a tentar organizar-se para não precisar de estar contactável após o parto e não ter de dar satisfações sobre o destino da criança. Para isso, conta passar algum tempo noutro país, se o casal concordar.

Joana já recebeu várias propostas. Não equaciona fazê-lo por menos de 40 mil euros e até recebeu ofertas superiores, mas só avança quando se sentir segura: “É um grande passo, mas tento pensar que estou a ajudar um casal, que a criança vai ficar bem e ser muito amada e que eu vou finalmente poder tirar 'o pé da lama'”

(Fonte: "Barrigas de aluguer estão a aumentar com a crise" por Sandra Moutinho, da agência Lusa / Semanário SOL)

 

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