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Publicado em: 2016-05-03
Escravatura do séc. XXI
Call Centers

«Trabalhar num call center é viver num mundo de pobreza, instabilidade, pressões e humilhações»

(fonte: artedeomissao.wordpress.com)

Competências em línguas estrangeiras, boa infra-estrutura tecnológica, salários baixos, desempregados em desespero. Os governos têm feito um bom trabalho, é melhor do que a Índia ou o Norte de África, consideram as grandes multinacionais dos call centers. E estão a vir para cá. A crise é “uma oportunidade extraordinária”, dizem os representantes do sector, e os call centers podem salvar a economia portuguesa.

Parece uma imagem do futuro. O edifício é em betão e vidro, design leve e tons claros, com vista para o Tejo e o Oceanário, que fica mesmo em frente. Nos auscultadores, Maria ouve o bip de uma chamada interna. “Posso saber por que está de pé?” É a voz de uma das team leaders, que tem mais ou menos a idade da sua filha. “Eu já não disse que não quero ninguém de pé?”

Maria, segundo o relato que fez ao PÚBLICO, estava no seu posto, no call center da Teleperformance, há várias horas. Como o sistema informático tinha caído, e era preciso esperar uns minutos para que recomeçasse, tinha-se levantado para esticar as pernas.

“Não pode estar de pé. É do regulamento.” “Eu conheço o regulamento, mas preciso de levantar-me por um minuto”, responde Maria. “Cala a boca.” “Não podes tratar-me assim, sou um ser humano.” “Se não estás satisfeita, a porta da rua é ali.”

O edifício está dividido em salas, cada uma dedicada a um “projecto”, com centenas de operadores sentados em mesas iguais, com um terminal de computador e auscultadores. No refeitório, todo branco e onde as refeições, subsidiadas, custam 2,5 euros, ouve-se falar várias línguas. Grande parte dos trabalhadores que circulam, dali para os seus locais de trabalho, ou para a porta de saída, para fumar, fazendo passar os seus cartões de acesso pelos torniquetes, são estrangeiros. Quase todos muito jovens.

O ambiente não é de campo de concentração. Nem sequer de linha de montagem industrial. Ninguém corre, ninguém levanta a voz. Há uma placidez cordata, quase doce, pelo menos à superfície. Na entrevista que concedeu ao PÚBLICO, o CEO da Teleperformance, João Cardoso, refere repetidamente as várias distinções que a empresa tem obtido como Melhor Lugar para Trabalhar, atribuídos pelo Great Place to Work Institute, ou a revista Exame.

Há menos de dez anos, a multinacional francesa Teleperformance tinha em Portugal 200 trabalhadores. Hoje tem cerca de 4 mil. Em 2012, inaugurou este centro no Parque das Nações, com um investimento de 3,2 milhões de euros, para 1200 trabalhadores, mas tem outro nas imediações, um terceiro na Avenida Infante Santo e um quarto na zona da Estefânia, todos em Lisboa. Aqui prestam-se serviços de call center, contact center ou outsourcing para algumas das maiores empresas mundiais. Há, neste edifícios, 24 línguas de trabalho, todas de falantes nativos, com conhecimento profundo não só da língua, garante o CEO, mas também da cultura do respectivo país.

O edifício da Teleperformance da Expo-Oceanário, com o seu ambiente uniformizado e asséptico, jovem e poliglota, disciplinado, eficaz e dócil, garantido por regras austeras, precariedade contratual, horários intensivos e salários baixos, pode de facto ser a imagem do futuro. Do futuro em Portugal.

“Quando começámos, em 2005, todos pensaram que isto era um investimento ilógico”, recorda João Cardoso, com orgulho nas qualidades de gestão que levaram a empresa a ser um indiscutível “caso de sucesso”. Mas admite que as condições em Portugal, para este tipo de negócio, são favoráveis. O mérito da Teleperformance foi tê-lo percebido mais cedo. O seu êxito, hoje, acaba por tornar o ambiente ainda mais propício para o boom do sector. É a prova de que é possível e de que funciona bem. Outras multinacionais de call center e outsourcing estão a olhar para Portugal como o lugar perfeito para instalar os seus serviços.

O cenário está a mudar

Quando se pensa em call centers gigantescos, outsourcing de serviços de informática e helpdesk, pensa-se geralmente na Índia, China, Egipto ou Filipinas. São países convenientes, porque apresentam “estruturas de custos” muito favoráveis, ou seja, há pessoas que trabalham com razoável competência por salários miseráveis. Mas a conjuntura está a mudar.

Por um lado, porque os salários tendem a aumentar nesses países do outsourcing tradicional, à medida que, por serem tão solicitados, vão criando know-how e especialização. E ao mesmo tempo há países onde os salários estão a baixar. Por outro lado, há outro tipo de vantagens que começam a ser importantes para algumas empresas, como a competência linguística, a proximidade geográfica e cultural, a infra-estrutura tecnológica e de comunicações, a estabilidade política e social.

É neste contexto que Portugal surge neste momento como um destino apetecível para as multinacionais do outsourcing. “Há um conjunto de indicadores muito favoráveis”, diz ao PÚBLICO Guilherme Ramos Pereira, secretário-geral da Associação Portugal Outsourcing, que integra algumas das maiores empresas do sector. “Segundo vários estudos, em nenhum dos indicadores estamos em número um, mas estamos muito bem posicionados em vários indicadores importantes em simultâneo”.

O segredo parece ser esse: um bom cocktail formado por salários baixos, competências linguísticas, boa estrutura tecnológica, boa localização geográfica. “O Governo Sócrates fez um grande investimento em tecnologias de informação e redes comunicacionais. A nossa rede de fibra, por exemplo, praticamente não tem concorrentes no mundo inteiro. O Governo Sócrates deixou um bom legado nesse capítulo”, explica Ramos Pereira. A situação parece poder resumir-se assim: um país pobre com uma boa rede de fibra. E talvez esta seja a fórmula suficiente para atrair os grandes call centers mundiais. No trabalho exaustivo de lobbying internacional que a Associação Portugal Outsourcing está a fazer, em cooperação com o AICEP, é mais ou menos esta a ideia que se passa. Com alguns bónus. Uma “força de trabalho talentosa” é outra característica apontada nos folhetes que imprimiram. “Acessibilidade mundial” é outra. “Estilo de vida” também é considerado importante, com referência explícita às praias, aos 250 dias de sol por ano e à culinária. É obviamente valorizada a “infra-estrutura de telecomunicações e de tecnologias de informação” e, last but not least, o “competitivo custo do trabalho” e ainda a segurança e estabilidade do país.

Há, da parte de muitas grandes empresas, uma tendência para o reshoring, explica o secretário-geral da associação. Significa isto apostar no near-shoring, em detrimento do offshoring. Começaram a ser evidentes os problemas de ter um serviço de outsourcing na Índia, por exemplo, no caso de uma empresa baseada na Europa. “Se surge uma questão qualquer, um gestor não apanha rapidamente um avião para a Índia, para ir discuti-la com um coordenador local.”

Além disso, há a questão cultural. Um europeu tem uma linguagem e forma de pensar mais fáceis e eficazes para outros europeus. A questão linguística foi um factor vantajoso, por exemplo, para a Índia, onde o inglês é língua oficial. Mas hoje é cada vez mais fácil encontrar, em qualquer país, quem fale inglês. Em Portugal, por outro lado, há muitos cidadãos fluentes em francês e alemão, devido aos laços criados pela emigração desde os anos 1960 e 70. Para além disso, é fácil atrair falantes de todas as línguas. “Se Portugal é um país atractivo para fazer férias, também, pelos mesmos motivos, é fácil convencer estrangeiros a virem para cá trabalhar”, diz João Cardoso, da Teleperformance. Há na empresa, explica ele, uma hierarquia salarial consoante a procura de cada língua e o nível de vida no respectivo país. O salário de um operador finlandês, por exemplo, pode chegar aos 1400 euros, mais do dobro do que ganham os operadores portugueses. Mas isso não seria suficiente. O que convence um finlandês a vir trabalhar para um call center em Portugal é o clima e o estilo de vida, a oportunidade de vir conhecer pessoas e ter uma experiência, enquanto ainda lhe pagam alguma coisa por isso. São estes elementos, segundo o CEO, que a Teleperformance coloca nos anúncios de emprego publicados na Finlândia. Ou seja, são dirigidos a jovens com vontade de fazer umas férias remuneradas, não a famílias ou profissionais interessados em prosseguir uma carreira. Também é esse tipo de mão-de-obra que é suposto os call centers empregarem entre os portugueses. Mas devido à actual dificuldade em encontrar empregos, os call centers surgem como a única oportunidade de trabalho para pessoas mais velhas, com famílias e casas para pagar. Isso contribui para tornar a mão-de-obra mais competente, ainda que igualmente barata.

Baixos salários e qualidade

Joana tem 44 anos e trabalha há dez em call centers. É licenciada em Psicologia, mas só consegue trabalho nesta área. Como não tem alternativas, decidiu levar a sério o seu emprego. Passou por vários call centers, até chegar a este, de uma empresa japonesa, onde, diz, é finalmente tratada como um ser humano, apesar de igualmente mal paga. “Pela primeira vez, alguém me disse um ‘obrigado’ pelo meu esforço”, conta ela. “Foram dez anos de humilhações, insultos, desonestidade, roubo”. Na Teleperformance, por exemplo, nunca lhe disseram “bom dia, Joana”, como acontece agora. “Nunca ninguém me tinha tratado pelo nome.”

Mas Joana tentou sempre ver o lado positivo do trabalho: “Fui aproveitando a formação que as empresas são obrigadas a dar.” Como os operadores têm de aprender as especificidades das empresas e sectores para as quais têm de prestar serviços de informações (inbound) ou de vendas (outbound), os call centers dão formação intensiva.

“Eu talvez conseguisse trabalho na minha especialidade, de Psicologia Clínica, mas seria também mal paga. Por isso, para ganhar pouco, prefiro estar numa área onde não invisto nada. Não preciso de me preocupar, nem de estudar. Eles dão formação. São eles que investem em mim, não sou eu que invisto neles.”

A empresa onde Joana trabalha presta serviços de helpdesk de informática. Tem mais de mil operadores nas suas instalações numa das torres do Colombo, em Lisboa. Joana lida apenas com uma empresa, uma multinacional petrolífera francesa. “Tenho de dar informações tanto a um engenheiro que está no deserto a fazer prospecção de petróleo, como a um executivo num escritório em Paris. E tenho de dar resposta a absolutamente tudo o que entendam perguntar. É preciso ter essa capacidade. Para isso é útil a experiência que tenho, e o facto de ser portuguesa, com a nossa capacidade para desenrascar e resolver problemas.”

Na opinião de Joana, essa é outra das características que as multinacionais procuram em Portugal. “Os indianos só fazem o que lhes mandam. Quando é preciso decidir ou tomar decisões, passam a um superior.”

Guilherme Ramos Pereira concorda que este binómio – baixos salários e qualidade dos serviços – é a grande vantagem competitiva de Portugal para se tornar num dos grandes centros mundiais de outsourcing e contact centers. “É uma situação que já existe há muito, não é de agora”, diz ele. Mas admite que a crise portuguesa tornou, pelo menos, a sedução mais visível. “A crise não é a razão, porque as condições já existiam, mas vai permitir alavancar este esforço. Com a crise, há de facto uma oportunidade excepcional.”

Outro factor não desprezível é a estabilidade. Várias empresas que tinham o seu outsourcing em países do Norte de África tiveram de fugir à pressa em consequência da Primavera Árabe. A Blackberry e a Vodafone são exemplos dados por Ramos Pereira. Tinham todos os seus serviços concentrados no Cairo. Quando o Presidente Mubarak decidiu cortar o serviço de Internet e telemóvel na cidade, não conseguiu desorganizar os manifestantes da Praça Tahrir, mas logrou lançar o pânico na c Blackberry em todo o mundo. “Não tinham alternativas, de repente ficaram paralisados”.

Portugal está portanto num momento ideal para a entrada das multinacionais do call center. Os últimos governos dotaram o país de uma boa infra-estrutura tecnológica, baixaram os salários e aumentaram o desemprego até ao ponto de terem grande parte da população desesperada, mas ainda não ao extremo de haver protestos violentos. Um bom trabalho, na perspectiva das multinacionais. Para elas é perfeito: um país desenvolvido e miserável ao mesmo tempo.

Muitas já se instalaram. A Fujitsu, a Xerox, a Microsoft, a Philips, o BNP Paribas, a Apple, tal como as especializadas em outsourcing Telepermormance, SITEL ou Randstad têm enormes centrais de atendimento em Portugal. A Associação Portuguesa de Contact Centers calcula que mais de 50 mil pessoas trabalham no sector. Mas a previsão é de que de venham muitas mais empresas nos tempos próximos.

“Este é o sector de maior crescimento em Portugal”, diz João Cardoso, acrescentando que as condições são “excepcionais”. Guilherme Ramos Pereira é ainda mais optimista, acha que a actividade pode vir a desempenhar um papel fundamental na economia portuguesa. “Muitas empresas francesas estão a vir para cá, devido à grande crise em França. E nós estamos a fazer um trabalho junto de todos os grandes advisers internacionais, para se se crie um efeito de bola de neve”.

Mas o executivo da Portugal Outsourcing adverte contra o termo call center e a imagem negativa que lhe está associada. “Não se trata apenas de call centers, onde estão pessoas simplesmente a atender telefones, mas de outsourcing, num sentido mais amplo. São esses serviços mais especializados que virão para Portugal, não o call center puro e duro”.

O líder da Teleperformance defende a mesma ideia. “As condições que temos podem ser boas, mas não bastam”. Para sermos competitivos, o serviço tem de ser muito bom, explica João Cardoso. E precisa que qualquer outra empresa, em qualquer país, nos pode roubar o lugar e as vantagens, em pouco tempo. “Nós temos 12 meses de avanço”, diz, referindo-se à Teleperformance. Esse é o lapso de tempo de que qualquer empresa precisa para se colocar à altura. O CEO da Telepormormance não admite que dizer isto é o mesmo que afirmar que o negócio dos call centers tanto pode crescer exponencialmente, como desaparecer num ápice, com as empresas a deslocarem-se para zonas do globo entretanto mais favoráveis, e deitando a perder todo o benefício para a economia e a criação de emprego.

O seu argumento é que a indústria dos call centers é tão ou tão pouco segura como qualquer outra, incluindo a indústria automóvel alemã ou relojoeira suíça, que podem ser destronadas a qualquer momento. É tudo uma questão de boa gestão e de saber aproveitar as oportunidades.

Portugal não pode perder esta, que lhe está a ser oferecida pela crise, mas deve investir nos call centers como um sector estratégico e de qualidade. Se os serviços prestados não forem bons, os clientes fugirão para a Polónia, Hungria ou Roménia, que também oferecem boas condições. Ou Marrocos, que sai mais barato.

Para que o sector possa desenvolver-se é preciso compreensão e apoio da parte do Estado. Deveria haver, na universidade, uma licenciatura em Operador de Call Center, defenfe o CEO da Teleperformance, para que as empresas não tenham de ser elas a investir em formação. Uma licenciatura do género, lembra João Cardoso, foi incluída na oferta curricular universitária das Filipinas, país cujo principal produto de exportação já são os serviços de call center.

Por outro lado, é necessário que o Governo mantenha a necessária flexibilidade nas leis laborais. Este é um dos sectores onde isso é mais importante, admite. “A Espanha tentou regular o sector, e as empresas fugiram todas para a América Latina.”

“Se não estás satisfeito, a porta de saída é ali”
Trabalhar num call center é viver num mundo de pobreza, instabilidade, pressões e humilhações. O centro da PT em Coimbra é descrito por muitos como “um inferno”.

Para Nuno, o pior de tudo era ter de enganar os clientes. Trabalhou no enorme call center da Portugal Telecom em Coimbra, antes de vir para a Teleperformance, em Lisboa. Em Coimbra trabalhou no sector outbound (quando é o operador que faz a chamada, geralmente para vender) da MEO. “Tínhamos de dar a entender às pessoas que, se não comprassem o serviço MEO, ficariam sem televisão, o que era mentira”, recorda Nuno, ao PÚBLICO. Era o período em que foi introduzida a Televisão Digital Terrestre (TDT). Quem não tinha qualquer serviço por cabo teria de instalar um descodificador para continuar a ter sinal de televisão. Não era necessário aderir ao MEO, mas os operadores só explicavam isto se o cliente o perguntasse explicitamente. As instruções que tinham eram claras quanto a isto. Carlos ainda trabalha no call center da PT de Coimbra. Ou melhor, em teoria é empregado da Vertente Humana, uma empresa de trabalho temporário com a qual tem um contrato de 15 dias, renovável automaticamente, embora com uma curiosa modalidade de funcionamento.

Carlos, que vende igualmente serviços da MEO, conta que também é obrigado a enganar os clientes. Ao contactar clientes de outras redes, aliciando-os a aderirem ao serviço M4O, tem instruções para não referir nunca que o cliente terá de mandar desbloquear o seu telemóvel, com os custos implícitos. Só se tal for perguntado explicitamente – “E eu terei de mandar desbloquear o meu telemóvel?” o operador pode confirmar. Mas se o cliente perguntar, por exemplo, “E não terei de fazer mais nada? O serviço fica logo disponível?”, o operador está proibido de lhe dizer que terá de mandar desbloquear o telemóvel. Se o cliente, mais tarde, se sentir enganado e protestar, o operador é penalizado. Carlos relata outro caso, que aconteceu no mês passado. Na venda do serviço M4O (que inclui chamadas grátis de telemóvel), os operadores têm instruções para nunca dizer ao cliente que, ao aderir, terá anulado todo o saldo que possa ter no Cartão Sim. Mais uma vez, só poderá dar essa informação se o cliente se lembrar de o perguntar explicitamente. Ora no caso em questão o cliente chegou a dizer, na tentativa de recusar a oferta: “Mas eu tenho muito dinheiro no cartão…” Não era a pergunta certa, e Carlos não lhe pôde dizer que todo o seu saldo de 90 euros seria anulado. Quando descobriu, o cliente protestou.

“Fui penalizado por causa disso, na minha remuneração variável”, conta Carlos, “apesar de eu ter ao meu lado uma folha onde está escrita claramente essa regra, que eu não posso informar o cliente”. O call center da PT em Coimbra vive essencialmente da mão-deobra dos estudantes da universidade. Na opinião dos operadores (que não confirmámos junto da PT) a ideia de colocar o centro de atendimento na cidade deve-se a esse motivo.

A carta de despedimento

No período de férias universitárias, a PT emprega outras pessoas, que não estudantes, que muitas vezes são despedidas mal se inicia o ano lectivo. Dito de uma forma mais técnica, a rotatividade dos trabalhadores é enorme. Todos os que contactámos afirmaram estar contratados por agências de trabalho temporário, e terem contratos de 15 dias. Mas eis como funciona: a meio de cada mês, o trabalhador recebe em casa uma carta de despedimento.

Com alguns, isto acontece quase todos os meses, com outros, em apenas alguns meses por ano. Depende da produtividade, e eventualmente de outros factores. Carlos acaba de receber uma, registada, como sempre. Data: 18 de Julho de 2013. “Serve a presente… nos ternos da Lei n.º 1, artigo 344 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro… o seu contrato de trabalho caducará a 3 de Agosto de 2013…” Seguemse as instruções sobre subsídio de desemprego, etc.

Chegado ao local de trabalho, no dia seguinte, o supervisor explica que a produtividade não tem sido a melhor, e que, a continuar assim, o contrato não será renovado, como a carta de resto já formaliza. “Tens 15 dias para melhorar a performance”, diz o supervisor. Será então preciso trabalhar a dobrar, para “cumprir os objectivos”. Isso significa trabalhar durante os fins-de-semana e dias de férias, e a possibilidade de fazer isso ainda é considerada um grande favor da empresa, para que o trabalhador consiga “cumprir os objectivos” e não seja despedido. Esses objectivos são fixados pelas chefias, mas “muitas vezes a meio do mês mudam os objectivos”, diz Carlos. “A pressão é enorme, e a instabilidade também. Há pessoas a chorar nos intervalos, há pessoas que não aguentam.”

Nuno, que trabalha na Teleperformance (embora o seu contrato seja com uma outra empresa, de trabalho temporário, que pertence à própria Teleperformance), tal como Maria, ou Júlia, que é operadora da ZON, todos se referem à mesma instabilidade, ao salário baixo (nunca muito acima do salário mínimo) e às formas de pressão para fazer aumentar a produtividade. A frase que todos disseram já ter ouvido repetidas vezes, nas várias empresas, é: “Se não estás satisfeito, a porta de saída é ali”.

Nuno e um grupo de pessoas a trabalhar em várias empresas de call center estão a tentar organizar-se para criar um sindicato do sector. Reuniram-se e redigiram um Boletim para um Sindicato dos Trabalhadores dos Call Centers, n.º 0, intitulado ‘Tás logado?. Chamam a atenção para a precariedade, para os baixos salários, as formas de pressão e a necessidade de se juntarem. Mas misturam tudo isto com um discurso muito ideológico (com referências à Primavera Árabe e às manifestações no Brasil), o que decerto não facilitará a adesão de pessoas que, pela natureza do seu trabalho e vínculos contratuais, tendem a estar dominadas pelo medo.

Os nomes de todos os operadores citados nesta reportagem são fictícios, a pedido dos mesmos. O nosso pedido à PT para visitar o call center de Coimbra foi recusado, com a explicação de que seria “uma falta de respeito pelas pessoas que estão a trabalhar”. Uma entrevista com um responsável também foi negada. Apenas chegou uma resposta por email às nossas questões sobre os contratos e as cartas de rescisão, dizendo que “não é verdade”. Quanto aos casos concretos em que os operadores são instruídos para enganar os clientes, a “fonte oficial da PT” escreveu: “Os casos concretos que refere não têm qualquer significado face às centenas de milhares de serviços vendidos no M4O.”

Paulo Moura | Público | 11-08-2013 )


 

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