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A mãe de um rio, Agustina B. Luís

 

 

Todos sabiam da existência da mãe do rio. Atribuíam-lhe os males que afligiam a aldeia, e temiam-na; outras vezes achavam a sua presença propicia, e a primeira bola de pão, feita com o primeiro centeio, era-lhe oferecida, e consideravam de mau presságio matar uma gralha. A mãe do rio não se importava com nada disso. Tinha mais de mil anos de existência, e achava que a sua memória se gastava, pois ela já mal se lembrava da longa história humana, do nome das plantas, e dos ventos, e dos animais.

Que lhes parece? perguntava às suas gralhas, que voavam e pousavam incessantemente nos brandos flancos da serra da Nave. Já não sou capaz de cantar como quando bebia sumo de medronho, e os meus pés já não sentem o murmúrio da terra. O povo da aldeia esqueceu-se de mim, e eu não sei já reconhecer as novas geraçôes de crianças. Todos são iguais, todos são iguais! ...

Todos, todos são iguais! repetiam as gralhas. E descreviam no ar um círculo negro e volúvel. A mãe do rio deixava tombar as mãos. As pontas dos seus dedos eram de oiro.

Mas na aldeia havia uma rapariga que se chamava Fisa ou Fisalina, e que era de temperamento arrebatado, propensa a sonhos e a tristezas inexplicáveis.

Impunha-se a si própria grandes castigos, embora fosse de coração simples e não praticasse acções condenáveis. Mas a sua imaginação apoquentava-a, pensava mal de todas as criaturas, desejava privar com seres de cujos lábios de mármore saíssem palavras desconhecidas. Costumava olhar as paredes de pedra desconjuntada da sua aldeia, com uma indignação exagerada, e o sentimento da sua própria injustiça causava-lhe alívio. Porque era assim Fisalina? Usava uma capa de burel, e, debaixo do seu capuz castanho, ninguém podia perceber os terríveis sorrisos de amor que ela dirigia a todas as coisas. Os irmãos não gostavam de brincar com ela. Acabavam por ficar absortos diante da inventiva daquela rapariga que os amedrontava e que se fingia louca ou possessa.para os obrigar a fugir ou a ceder-lhe a melhor parte nos seus jogos. Ela afastava-se, e então era quando deveras a brincadeira começava

Fisalina ouvia como se riam, e sentia uma grande amargura invadi-la. Prometia a si própria fazer de muda durante três dias, ou trazer uma fita demasiado apertada nos pulsos, até o sangue enegrecer debaixo da pele.

Chegada à porta da sua cabana de barro, bateu três vezes e esperou que o bando de gralhas voasse e voltasse a pousar. Depois entrou.

Que vens fazer aqui? disse-lhe a mãe do rio. O seu rosto era sem feições, como o das estátuas enterradas durante muitíssimo tempo, e ela parecia enorme, inchada e perversa na sua grandeza. Fisalína deitou-se com a cara contra o pó, e ficou ali a tremer de medo. Nunca ninguém lhe tinha dito como era a mãe do rio, nem com o que se parecia; encontrar alguma coisa de cuja informação nada existia no seu espírito provocava-lhe horror, e esteve perto de deitar a fugir. Mas conteve-se, porque o amor a atormentava, e não esperava remédio fora dali.

Tenho muito que te dizer, ó água profunda.  [...]






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